Video - Gentileza: A Escolha que Transforma
Todo fim de tarde, no ponto final da linha 328, sempre desciam as mesmas duas pessoas: LĂşcia e o senhor Alfredo. O Ă´nibus chegava cansado, rangendo nas curvas, e o motorista, seu AntĂ´nio, encerrava mais um dia de trabalho com o semblante fechado e o olhar distante. Ao descer, Alfredo repetia o mesmo gesto de todos os dias: virava-se, colocava o chapĂ©u na cabeça e dizia, com um sorriso sincero: — Boa noite, seu AntĂ´nio. Vá com Deus. O motorista nunca respondia. Nenhum aceno, nenhum olhar. Apenas desligava o motor e saĂa apressado, como quem queria encerrar o dia o mais rápido possĂvel. LĂşcia, que descia junto com Alfredo há meses, sempre achou curiosa aquela cena. Uma gentileza solitária, ignorada, mas firme. AtĂ© que, certa tarde, ela decidiu perguntar: — Seu Alfredo, me perdoe a curiosidade, mas por que o senhor continua cumprimentando esse homem? Ele nunca responde, parece atĂ© que o senhor o incomoda. Alfredo parou, ajeitou o chapĂ©u, e respondeu com a serenidade de quem carrega uma sabedoria simples, mas profunda: — Minha filha, eu cumprimento ele porque o dia que eu deixar de cumprimentá-lo, passarei a ser igual a ele. Olhou para o horizonte, onde o sol se escondia atrás dos prĂ©dios, e completou: — NĂŁo posso permitir que a atitude de outra pessoa mude quem eu sou. Gentileza Ă© escolha, nĂŁo troca. LĂşcia ficou em silĂŞncio, sentindo o peso e a beleza daquelas palavras. No dia seguinte, quando o Ă´nibus parou, ela tambĂ©m disse: — Boa noite, seu AntĂ´nio. O motorista nĂŁo respondeu. Mas, pela primeira vez, olhou pelo retrovisor. E, embora ninguĂ©m tenha notado, seus olhos marejaram ligeiramente — talvez pela lembrança de um tempo em que ele tambĂ©m cumprimentava.